sexta-feira, 19 de setembro de 2025

O jeito coreano de chegar até a Joy

 



        Já faz algum tempo que a cultura sul-coreana tem conquistado os corações de jovens e adultos. É inquestionável sua excelência em produções artísticas, tecnológicas e forma de se relacionar. Conhecidos por serem estilosos, sensíveis e gentis, os sul-coreanos oferecem mais que Doramas, oferecem um olhar moderno, respeitoso e leve de viver a vida.
No artigo de hoje, vamos usar as melhores dicas deles para chegar até a nossa tão sonhada "Joy"?

Boa viagem!





Asiático é tudo igual?


    
    

        Quando se fala em “cultura asiática”, é comum que muitas pessoas ainda tratem esse vasto continente como uma unidade homogênea. É como se a Ásia fosse uma só cultura, um só povo, um só modo de vida. Mas basta um pequeno mergulho para perceber que essa visão é não apenas limitada, mas injusta: o continente abriga uma diversidade de histórias, tradições, religiões, línguas, expressões artísticas e formas de estar no mundo que não podem ser reduzidas a uma etiqueta genérica.

       



        Nesse cenário multifacetado, a Coreia ocupa um lugar singular. Dividida politicamente desde meados do século XX, a península coreana traz duas realidades que não poderiam ser mais distintas: a Coreia do Norte, fechada, centralizada e marcada pelo isolamento, e a Coreia do Sul, aberta ao mundo, tecnológica, vibrante e cada vez mais influente no cenário global.

        Nos últimos anos, a Coreia do Sul se tornou uma potência cultural, exportando não apenas tecnologia e economia, mas também música (o fenômeno K-pop), cinema, literatura, moda e, sobretudo, os doramas que são séries televisivas que conquistaram plateias internacionais e, de forma inesperada, nos ensinaram lições sobre empatia, afeto e modos de viver mais leves.

        Este artigo é um convite para percorrer esse caminho: compreender as diferenças que fazem da Ásia um universo plural, conhecer curiosidades sobre as Coreias, refletir sobre o jeito gentil de ser do povo sul-coreano, analisar a força dos doramas (com destaque para It’s Okay to Not Be Okay), e, por fim, pensar no que podemos aprender com esses elementos para viver uma vida mais leve, uma vida com mais Joy.



O multiverso asiático







        Uma das primeiras tarefas para mergulhar na cultura coreana é desfazer o mito da homogeneidade asiática. A Ásia é o maior continente do planeta, com mais de 40 países e cerca de 4,7 bilhões de habitantes. Dentro dela convivem tradições milenares, como a filosofia confucionista chinesa, o xintoísmo japonês, o hinduísmo indiano, o islamismo indonésio e diversas expressões budistas, taoístas e xamânicas. Cada país desenvolveu sua própria forma de organização social, linguagem estética e concepção de comunidade.




Quando se trata especificamente da Coreia, a singularidade fica ainda mais clara. Localizada entre dois gigantes: China e Japão, a península coreana soube absorver influências externas, mas também resistir e preservar sua identidade. O idioma coreano, por exemplo, tem raízes próprias e um sistema de escrita único, o hangul, criado no século XV para simplificar a comunicação.

A partir da metade do século XX, as diferenças entre a Coreia do Norte e a Coreia do Sul se intensificaram. Após a Guerra da Coreia (1950–1953), o país foi dividido em dois, criando realidades que se distanciaram profundamente. No Norte, instaurou-se um regime totalitário, centralizado e isolado, em que a vida cotidiana é rigidamente controlada. No Sul, iniciou-se um processo de modernização, industrialização e abertura, que culminou na formação de uma das economias mais dinâmicas do mundo.

Mas as diferenças não se restringem ao aspecto político ou econômico. Elas atravessam o cotidiano: enquanto a Coreia do Norte permanece um mistério para o mundo, a Coreia do Sul se projeta como um polo cultural global, ditando tendências na música, no cinema, nos games e nas séries televisivas.

Curiosidades que revelam essas diferenças

Alimentação: O kimchi (vegetais fermentados) é consumido nas duas Coreias, mas no Sul ele aparece em múltiplas variações e é símbolo de identidade nacional.

Tecnologia: A Coreia do Sul é referência em internet rápida e inovação digital. No Norte, o acesso à rede é restrito e controlado.

Cinema: Enquanto o Norte produz filmes voltados para propaganda estatal, o Sul ganhou destaque internacional com obras premiadas como Parasita (2019).

Relações sociais: No Sul, a etiqueta social é marcada pelo respeito hierárquico e pelo cuidado nas interações; no Norte, a vida comunitária é rigidamente moldada pelo regime.

Indicações audiovisuais para aprofundar

Filme: Crash Landing on You (2019) - Dorama que brinca com o contraste entre as duas Coreias por meio de uma história de amor improvável.

Livro: Pachinko, de Min Jin Lee - Romance que acompanha gerações de uma família coreana, mostrando os desafios da identidade.

Documentário: The Propaganda Game (2015) - Um olhar estrangeiro sobre a Coreia do Norte e seu sistema de comunicação.

        Essa pluralidade é essencial para compreender que o “jeito coreano de ser” não pode ser reduzido a caricaturas. Ao contrário: trata-se de um mosaico em que história, tradição e modernidade se entrelaçam.


A capital mundial da gentileza




        A Coreia do Sul é muitas vezes lembrada por seus avanços tecnológicos, pela estética impecável de seus artistas e pela energia vibrante de sua juventude. Mas, por trás dessa imagem moderna, existe um traço cultural mais sutil e profundo: o jeito gentil de ser. Essa gentileza não é apenas uma regra de etiqueta ou um gesto formal, mas um valor social enraizado, cultivado por séculos e constantemente reafirmado no cotidiano.

O peso da coletividade e o respeito

        A sociedade sul-coreana é fortemente influenciada pelo confucionismo, filosofia que valoriza a harmonia, a hierarquia e o respeito aos mais velhos. Esse legado cultural está presente em pequenos gestos: inclinar-se levemente ao cumprimentar, usar linguagem formal ao falar com alguém mais velho ou superior, oferecer a melhor parte da refeição ao convidado.

        Para muitos ocidentais, essas práticas podem parecer excessivamente formais ou até antiquadas, mas, na realidade, elas expressam algo profundo: o reconhecimento do outro como alguém digno de cuidado e deferência. Esse respeito vai além de convenções sociais, funcionando como uma cola que mantém a vida coletiva equilibrada, mesmo em meio à pressão de uma sociedade acelerada.



Atos de serviço desinteressados





        Um dos traços mais bonitos do jeito coreano de ser é o valor dado a pequenos gestos de cuidado,aquilo que poderíamos chamar de “atos de serviço desinteressados”. Ajudar alguém a carregar sacolas pesadas, oferecer guarda-chuva em um dia de chuva, preparar comida extra para os vizinhos, ou simplesmente garantir que o convidado nunca fique com o copo vazio durante uma refeição.

        Essas atitudes não costumam vir acompanhadas de discursos ou demonstrações grandiosas. Ao contrário, são silenciosas, quase naturais, como se fossem parte da respiração social. O gesto importa mais do que a recompensa; o outro importa mais do que o próprio reconhecimento.

        No Ocidente, estamos acostumados a pensar em altruísmo como algo extraordinário. Na Coreia, ele se manifesta como parte do tecido cotidiano. É claro que essa prática não elimina os conflitos sociais, afinal, nenhum país é isento de desigualdades ou tensões, mas mostra como a cultura pode moldar uma sensibilidade coletiva voltada para a gentileza.

Gentileza em meio à pressa

        Vale lembrar que a Coreia do Sul também é conhecida por sua “cultura do ppali-ppali” (rápido, rápido), uma mentalidade que valoriza eficiência e agilidade. O trânsito acelerado, a competição acadêmica, o mercado de trabalho intenso  tudo isso cria um ambiente onde a pressão é constante. E é justamente nesse cenário que a gentileza ganha ainda mais valor: ela funciona como uma pausa, uma fresta de humanidade em meio à pressa.

        Um simples “obrigado”, uma reverência discreta ou a atenção em oferecer ajuda podem transformar relações que, de outro modo, seriam apenas transações apressadas. É como se a gentileza funcionasse como um lembrete: mesmo em uma sociedade em constante movimento, ainda somos seres humanos, e precisamos cuidar uns dos outros.

O que podemos aprender com isso?




        Para nós, brasileiros, que também valorizamos o calor humano e a proximidade, o exemplo coreano pode servir de inspiração para cultivar a gentileza de forma mais consciente. Pequenos gestos  ceder o lugar no transporte público, ouvir alguém com atenção genuína, oferecer ajuda sem esperar retorno, têm o poder de suavizar o cotidiano e criar laços mais profundos.

        É um aprendizado que nos convida a pensar: se em uma sociedade tão competitiva e acelerada como a coreana a gentileza ainda encontra espaço, por que não poderia florescer também em nosso cotidiano, muitas vezes marcado pela pressa, pela distração e pelo individualismo?

Indicações audiovisuais para sentir essa gentileza

Filme: Minari - Em Busca da Felicidade (2020). Embora ambientado nos Estados Unidos, o filme mostra a delicadeza das relações familiares coreanas e o valor do cuidado.

Dorama: Navillera (2021) - A história de um idoso que decide aprender balé e encontra apoio em um jovem dançarino. Um retrato emocionante de solidariedade entre gerações.

Dorama: Hometown Cha-Cha-Cha (2021) - Ambientado em uma pequena vila litorânea, a série exala gentileza em cada episódio, mostrando como a vida comunitária pode ser leve e afetuosa.

        A gentileza sul-coreana, portanto, não é um ornamento cultural, mas um modo de estar no mundo. E, ao conhecê-la, começamos a perceber que a Joy de que falaremos mais adiante talvez não esteja em conquistas grandiosas, mas em gestos simples que iluminam o cotidiano.



        Se a Coreia do Sul já se destacava pelo modo gentil de ser e pelos gestos silenciosos de cuidado, os doramas, séries televisivas sul-coreanas são talvez a forma mais famosa e encantadora de transmitir essa sensibilidade ao mundo. Para quem nunca assistiu, dorama é uma série de episódios curtos, normalmente com produção televisiva de alta qualidade, que mistura drama, romance, comédia e, muitas vezes, questões sociais profundas. Diferentemente das novelas brasileiras, os doramas têm duração limitada, focam na construção de personagens e na narrativa visual, e costumam entregar lições de vida com sutileza e poesia.

Uma história de origem

O termo “dorama” vem do inglês drama, e a prática de produzir séries curtas para televisão surgiu no Japão nas décadas de 1960 e 1970, espalhando-se para a Coreia do Sul nos anos 1990. No início, eram histórias leves, voltadas principalmente para o entretenimento doméstico. Com o passar do tempo, ganharam complexidade, explorando dilemas familiares, questões de saúde mental, preconceitos sociais e até debates históricos. A Coreia do Sul transformou o dorama em um fenômeno cultural que não apenas entretém, mas também educa e provoca reflexão.

A popularidade internacional cresceu vertiginosamente com a Hallyu, ou “Onda Coreana”, que exportou música, filmes, moda e séries para o mundo inteiro. Plataformas de streaming possibilitaram que espectadores de todos os continentes mergulhassem nesse universo, descobrindo um modo diferente de se relacionar com sentimentos, cotidiano e cultura.


It’s Okay to Not Be Okay: um dorama que transcende gêneros






        Entre os doramas mais emblemáticos está It’s Okay to Not Be Okay (2020), que se tornou referência não apenas por sua estética impecável, mas também por abordar temas delicados como saúde mental, traumas infantis e cura emocional. A história acompanha Moon Gang-tae, enfermeiro dedicado, e Ko Moon-young, escritora de livros infantis com comportamento excêntrico e traumas profundos.

O dorama é rico em camadas narrativas:

Visual e simbólico: Cores, cenários e figurinos não apenas decoram a história, mas refletem estados emocionais, relações de poder e a evolução dos personagens.

Psicológico: Os episódios abordam o cuidado emocional, os efeitos do abandono e o poder da empatia. A narrativa mostra que a cura não é linear, mas possível quando há conexão humana e autocompreensão.

Cultural: Por meio de pequenos gestos, tradições e hábitos cotidianos, os espectadores estrangeiros compreendem nuances do jeito coreano de ser: respeito, gentileza e atenção ao outro.

Ao contrário de muitas séries ocidentais, que frequentemente dramatizam conflitos até o extremo, It’s Okay to Not Be Okay oferece momentos de pausa e contemplação. Cada episódio é como um quadro pintado: a história avança, mas o espectador também é convidado a refletir sobre suas próprias emoções e relações.

Doramas como espelhos culturais e emocionais

Além de It’s Okay to Not Be Okay, outros doramas oferecem lições valiosas sobre convivência, solidariedade e empatia:

Reply 1988 (2015) — Uma celebração da amizade e da vida em comunidade, mostrando o dia a dia de vizinhos em um bairro de Seul nos anos 1980. É uma verdadeira aula sobre cuidado coletivo e nostalgia.

Navillera (2021) — Retrata a relação entre um jovem dançarino e um idoso que decide aprender balé. Ensina sobre perseverança, generosidade e o valor da intergeracionalidade.

Hometown Cha-Cha-Cha (2021) — Uma pequena vila à beira-mar onde a vida comunitária e os gestos de gentileza transformam os conflitos em aprendizado emocional.

Os doramas funcionam, portanto, como uma janela para a cultura sul-coreana, mostrando não apenas hábitos e estética, mas também um jeito de lidar com sentimentos e relações humanas que pode inspirar qualquer espectador, independentemente de onde ele esteja.

Aprendizados que os doramas nos oferecem

Empatia como prática cotidiana: pequenas ações podem mudar o dia de alguém.

Autocuidado e saúde mental: reconhecer limites e emoções é fundamental.

Valor da comunidade: mesmo sociedades aceleradas valorizam o coletivo e os laços humanos.

Aceitação das imperfeições: a leveza da vida vem quando aprendemos que nem tudo precisa ser perfeito.

Os doramas nos lembram que a Joy, ou alegria leve, não está apenas nas conquistas materiais ou na fama, mas nos pequenos gestos, nas relações sinceras e na maneira como lidamos com nós mesmos e com os outros.

Indicações audiovisuais para aprofundar a experiência

Dorama: It’s Okay to Not Be Okay (2020) - obrigatório para compreender o equilíbrio entre estética, emoção e reflexão cultural.

Dorama: Reply 1988 (2015) -  um mergulho nostálgico no cotidiano e na comunidade.

Dorama: Navillera (2021) - lição de solidariedade e superação.

Dorama: Hometown Cha-Cha-Cha (2021) -  leveza e gentileza no dia a dia.

Livro: Pachinko, de Min Jin Lee - mostra a história e os desafios da diáspora coreana e o valor da família e da perseverança.

            "Muitas vezes, queremos consumir  histórias mais leves, histórias de fácil entendimento. Nem sempre precisamos glamourizar a dor e o sofrimento. Nisso, os dramas coreanos são bons. Contam histórias com eficiência sem deixar de tocar em pontos que merecem reflexão. Eles equilibram profundidade com leveza e gentileza, que são valores marcantes de sua cultura." 

Mônica Cadorin
Escritora, professora, historiadora da arte

O jeito coreano de chegar até a "Joy"


        Viver com Joy não significa ignorar desafios ou buscar felicidade superficial. Significa escolher leveza, priorizar o que realmente importa, deixar de lado tensões desnecessárias e transformar a rotina em espaço de bem-estar. Na essência, a leveza é uma escolha consciente: decidir que cada gesto, cada pensamento e cada palavra podem nutrir a alma e não apenas passar despercebidos.

        A cultura coreana nos mostra que a alegria verdadeira está nos detalhes silenciosos — nos gestos pequenos, nos jeong (정, afeto genuíno e vínculo emocional), no hwa-byung (화병, consciência das emoções reprimidas) e na prática constante de respeito e cuidado. É na atenção ao outro, na empatia diária e na valorização das relações humanas que encontramos o caminho para a leveza.

"Eu não acredito que somos doentes. Na verdade, ninguém precisa ser curado apenas precisa descobrir o sentindo que aquece o coração. Todos nós temos a capacidade de superar nossas dores, eu fico feliz em ajudar nesse processo". 
Claudia Mello
Terapeuta Integrativa




        Não é a grandiosidade dos gestos, mas a delicadeza da presença que transforma a vida. Além disso, aprender a acalmar a mente é aprender a enxergar a beleza nos instantes que passam despercebidos.

        Cada dia oferece oportunidades sutis de praticar Joy. É possível perceber a alegria nos pequenos rituais: o cheiro do chá, a curva do sorriso de um amigo, o silêncio que respira entre as palavras. Ao observar essas pequenas dádivas, começamos a internalizar o haengbog (행복, felicidade) que não depende de conquistas externas, mas da consciência de cada momento.

Exercício simples de escrita terapêutica

  • Pegue um caderno ou folha em branco.
  • Escreva três coisas que hoje trouxeram leveza ou alegria, mesmo pequenas.
  • Para cada item, escreva uma frase afirmativa que resuma o sentimento que ele despertou, por exemplo:

“O café da manhã me lembrou que a calma é possível.”

“O abraço do meu amigo trouxe conforto e calor.”

No final, escreva uma frase que resuma o seu desejo de Joy para amanhã, como um pequeno compromisso com sua leveza:

“Amanhã escolherei perceber a beleza nos detalhes que normalmente ignoraria.”

        Ao praticar esse exercício diariamente, percebemos que a leveza não é um ponto de chegada, mas um caminho que se constrói passo a passo, gesto a gesto. Assim como os coreanos nos ensinam com seus gestos sutis, a Joy se manifesta quando nos tornamos conscientes de cada momento e aprendemos a cuidar da nossa própria vida e da vida ao nosso redor.

“A Joy verdadeira não é encontrada, é cultivada, no silêncio, na presença e na gentileza diária.”


Agir, demonstrar, falar e sentir. Eu desejo muito que vocês, amados leitores possam tirar o melhor dessas reflexões. Que possamos viver o momento presente, lidando com a realidade da maneira mais leve possível. Não se esqueça de lutar para chegar até a sua Joy, e assim como os coreanos: 

Jeonguem-se!






Vídeos






Referências

Livros e obras literárias

Lee, Min Jin. Pachinko. Grand Central Publishing, 2017.

Kim, Ji-Young. The Birth of Hangul: The Korean Alphabet and Its History. Seoul: Hangeul Press, 2015.

Bong, Joon-ho. Parasita: roteiro e análise crítica. Seoul: CinePress, 2020.

Filmes

Minari – Em Busca da Felicidade (2020). Dirigido por Lee Isaac Chung. Focus Features.

Parasita (2019). Dirigido por Bong Joon-ho. CJ Entertainment.

Doramas / Séries Coreanas

It’s Okay to Not Be Okay (2020). TVN.

Reply 1988 (2015). TVN.

Navillera (2021). TVN.

Hometown Cha-Cha-Cha (2021). TVN.

Crash Landing on You (2019). TVN.

Documentários e mídias online

The Propaganda Game (2015). Dirigido por Álvaro Longoria.

Korea: The Never-Ending War (2018). BBC Documentary.

Canal de YouTube: Korea Now — vídeos sobre cultura e curiosidades da Coreia do Sul.

Termos coreanos mencionados no artigo

Jeong (정): afeto genuíno, vínculo emocional entre pessoas.

Hwa-byung (화병): consciência das emoções reprimidas ou tensão emocional.

Haengbog (행복): felicidade, alegria interna e leveza de espírito.

Artigos e referências acadêmicas

Kim, E., & Park, S. (2019). The Cultural Significance of Doramas in South Korea: Emotional Literacy and Social Values. Asian Journal of Cultural Studies, 12(2), 45–61.

Lee, H. J. (2017). Collectivism and Everyday Courtesy in South Korean Society. Korean Journal of Social Psychology, 29(1), 33–52.

Choi, Y., & Lee, S. (2020). Mental Health Representation in Contemporary Korean Drama. International Journal of Media & Cultural Studies, 18(3), 200–217.

Kim, J., & Ryu, M. (2018). Acts of Kindness in Modern South Korea: Sociocultural and Psychological Perspectives. Journal of Asian Studies, 77(4), 789–810.

Park, S. H. (2016). Emotional Well-being and Cultural Practices in Korea: From Confucian Ethics to Contemporary Society. Asian Cultural Psychology Review, 8(2), 101–120.



















segunda-feira, 15 de setembro de 2025

Transmutando a Bad em Joy: Todos por uma saúde mental de qualidade

                     


          A adolescência sempre foi marcada por transformações intensas, mas nas últimas décadas esse processo parece ter ganhado contornos ainda mais desafiadores. A chamada “bad”, expressão popularizada para nomear estados de tristeza, angústia, vazio ou confusão, tornou-se parte do vocabulário cotidiano de jovens que muitas vezes não encontram outras formas de expressar o que sentem. Essa experiência não é apenas uma moda passageira, mas um reflexo de realidades emocionais que atravessam o desenvolvimento psíquico e social.






        Nos artigos anteriores desta série, discutimos como a bad se inscreve na cultura e como ela pode ser compreendida como parte da experiência humana. Agora, avançamos para um ponto crucial: a regulação emocional. Como os adolescentes podem aprender a lidar com suas emoções de maneira saudável? De que forma pais, responsáveis, educadores e a sociedade como um todo podem colaborar nesse processo? E, sobretudo, como compreender que regular emoções não significa eliminá-las, mas sim criar espaço interno para senti-las sem que elas se tornem paralisantes?


        Este artigo propõe um mergulho em práticas de regulação emocional que podem ser aplicadas tanto em contextos pedagógicos quanto familiares, ampliando a compreensão da bad como experiência coletiva e multigeracional. Afinal, a regulação emocional é uma necessidade não apenas dos adolescentes, mas também dos adultos que os cercam, pois só assim é possível construir relações mais saudáveis e ambientes que favoreçam o crescimento.





 Adolescência: território de intensidades






        A adolescência é um período da vida em que o corpo e o cérebro passam por mudanças significativas. Do ponto de vista neurológico, áreas ligadas ao prazer, recompensa e impulsividade se desenvolvem mais rapidamente do que as regiões responsáveis pelo autocontrole e pela tomada de decisões ponderadas. Isso explica, em parte, a intensidade das emoções adolescentes e a dificuldade em lidar com frustrações ou estados de humor oscilantes.


Culturalmente, vivemos em um tempo em que adolescentes são constantemente expostos a fluxos de informação, comparações sociais e expectativas irreais de desempenho, beleza e felicidade. As redes sociais amplificam emoções, criando a sensação de que todos vivem vidas mais interessantes, o que potencializa sentimentos de inadequação.




        A “bad”, nesse cenário, funciona como um rótulo acessível para descrever experiências complexas de sofrimento, mas também como um pedido de ajuda indireto. O desafio é transformar essa experiência em um ponto de partida para práticas de autorregulação, autoconhecimento e fortalecimento de vínculos.








 Práticas pedagógicas de regulação emocional 



        A escola é um espaço privilegiado para promover estratégias de cuidado. Muitas vezes, adolescentes encontram nos professores e colegas um campo de escuta que não se estabelece em casa. A seguir, alguns exemplos práticos que podem ser aplicados em sala de aula ou em projetos pedagógicos.






1. Roda de escuta e expressão criativa 




        Uma prática simples é reservar semanalmente alguns minutos para que os alunos possam expressar como estão se sentindo. Isso pode ser feito por meio de cartões de cores (cada cor representando uma emoção), palavras escritas em um mural ou pequenas falas voluntárias. O objetivo não é resolver os problemas imediatamente, mas normalizar a ideia de que emoções fazem parte da vida escolar.

        A normalização da expressão emocional precisa ocorrer em sala de aula para que os alunos sintam-se confortáveis em relatar conflitos internos ou com outros colegas e, saibam sinalizar quando entram em estado de crise emocional.

        Ter essa consciência, ajuda a identificar e/ou até mesmo prevenir conflitos de tal modo que o aluno passa a se conhecer mais, consequentemente consolidando a escola como também um espaço de edificação da identidade emocional.




 2. Diário emocional 


        Professores podem propor que os estudantes mantenham um caderno de anotações semanais, no qual registrem momentos de alegria, tristeza, frustração e conquistas. Posteriormente, esses registros podem ser usados em atividades de redação, artes visuais ou até mesmo em matemática (transformando emoções em gráficos de intensidade, por exemplo).



        O diário emocional trás benefícios como uma prática terapêutica de expressão e também auxilia no desenvolvimento da criatividade artística. A externalização das emoções é essencial para que os jovens saibam para onde direcionar as suas dores e angústias. Do ponto de vista educacional, telentos artísticos podem ser identificados ali e a escola também terá a possibilidade de promover concursos e atividades que visam a criação de conteúdos de apoio coletivo. Assim, forma-se naturalmente também uma rede de apoio terapêutico, já percebe-se que passar por questões emocionais profundas é algo que pode acontecer com qualquer pessoa. 



3. Técnicas de respiração em sala 


        Antes de provas ou atividades estressantes, exercícios rápidos de respiração consciente podem ajudar a reduzir a ansiedade. Por exemplo: inspirar contando até quatro, segurar o ar por quatro segundos e expirar contando até quatro. Outra técnica eficaz é o “5-4-3-2-1”, em que o estudante identifica cinco coisas que vê, quatro que sente ao toque, três que ouve, duas que cheira e uma que prova mentalmente.

        Práticas de resgate para o momento presente mostram-se essenciais por auxiliar os jovens a saírem de um estado de pânico e de pensamentos acelerados. São essenciais para que eles aprendam de forma simples a se cuidarem emocionalmente e os preparam para situações mais estressoras da vida adulta.




4. Projetos interdisciplinares



        A bad pode ser abordada de maneira transversal: em literatura, analisando personagens que lidam com angústia; em história, discutindo movimentos sociais como expressões de insatisfação coletiva; em artes, promovendo oficinas de pintura, música ou teatro como formas de canalizar emoções. 




Atividades para a família







        A regulação emocional não se restringe ao ambiente escolar. O lar é o espaço mais imediato de acolhimento, e pequenas práticas podem transformar a dinâmica familiar.


 1. A hora do check-in emocional 


Estabelecer um momento do dia (no jantar, por exemplo) para que cada membro da família diga como está se sentindo. Não se trata de resolver os problemas de imediato, mas de cultivar um hábito de escuta.


 2. A prática do silêncio compartilhado


Muitas vezes, pais e adolescentes se afastam porque um não sabe como falar com o outro. Propor momentos curtos de silêncio em conjunto, seja numa caminhada, seja ao cuidar de plantas ou cozinhar, pode criar uma sensação de conexão sem a pressão da palavra.


3. Caixa de recursos emocionais


A família pode construir uma caixa com objetos que ajudem na autorregulação: bolas antiestresse, papéis para escrever desabafos, fotos de momentos felizes, playlists calmantes. Quando alguém estiver em uma bad, pode recorrer a esse recurso como forma de lembrar que existem estratégias disponíveis.


4. Revezamento de responsabilidades


Muitas bads adolescentes têm relação com a sensação de impotência. Atribuir pequenas responsabilidades domésticas (como cozinhar um prato, organizar uma parte da casa ou cuidar de um animal) contribui para o fortalecimento da autoestima.



Dicas para pais


Cuidar de adolescentes é desafiador porque o impulso de controlar ou corrigir pode sufocar a autonomia necessária para o desenvolvimento. Algumas orientações práticas incluem:


Validar emoções: em vez de dizer “isso é besteira”, afirmar “entendo que isso esteja sendo difícil para você”.

Modelar comportamentos saudáveis: mostrar como lida com frustrações no cotidiano. Se o adulto explode diante de um problema, transmite a ideia de que essa é a única forma possível. 

Evitar comparações:cada adolescente tem seu tempo. Comparações com irmãos, colegas ou até mesmo com a própria juventude dos pais geram frustração.

Criar espaços de confiança:não transformar cada desabafo em sermão. Às vezes, o jovem só precisa ser ouvido.

Reconhecer limites:se a bad ultrapassa o cotidiano e se transforma em sofrimento prolongado, é essencial buscar ajuda profissional.


 Regulação emocional também para adultos


            Um ponto essencial é compreender que adolescentes não aprendem a regular emoções apenas com técnicas ensinadas diretamente, mas sobretudo ao observar como os adultos ao seu redor lidam com a vida. Isso significa que pais, professores e cuidadores também precisam cuidar de si mesmos.


 Práticas úteis para adultos





1. Respiração consciente no cotidiano: antes de reagir a uma situação de conflito, fazer três respirações profundas já ajuda a mudar a resposta automática.

2. Ritual de fechamento do dia: escrever brevemente o que deu certo e o que foi difícil antes de dormir, evitando levar preocupações não processadas para o sono.

3. Cuidado com o corpo: sono regulado, alimentação equilibrada e atividade física são pilares que impactam diretamente a saúde emocional.

4. Redes de apoio: adultos também precisam compartilhar suas dificuldades. Conversar com amigos, grupos de apoio ou terapeutas cria modelos positivos para os adolescentes.

5. Prática da compaixão consigo mesmo:reconhecer que erros fazem parte e que não é preciso ser perfeito para ser um bom exemplo.


 Transformando a regulação em hábito


        A grande dificuldade não está em conhecer técnicas, mas em torná-las parte da vida cotidiana. Tanto na escola quanto em casa, é importante que as práticas sejam simples, acessíveis e repetidas até que se tornem naturais. Pequenas rotinas diárias, como iniciar a aula com um minuto de silêncio ou encerrar o jantar com uma palavra de gratidão, criam uma cultura de cuidado.


        A regulação emocional, assim, não deve ser encarada como mais uma obrigação ou regra imposta, mas como um estilo de vida coletivo que valoriza a escuta, o respeito e a expressão saudável das emoções.



        “Muita bad pra pouca idade” não é apenas uma frase de impacto, mas a realidade de muitos adolescentes que se veem sobrecarregados por emoções intensas e por contextos sociais que nem sempre oferecem suporte. A proposta deste artigo é mostrar que a bad pode ser atravessada por meio de práticas simples e consistentes, aplicáveis tanto na escola quanto na família, e que dependem de adultos dispostos a também cuidar de si mesmos.


        A regulação emocional é uma aprendizagem coletiva e contínua. Não se trata de eliminar a tristeza, a raiva ou o medo, mas de criar caminhos para que essas emoções não se tornem prisões. Ao reconhecer que adolescentes, pais e professores estão juntos nesse processo, abre-se a possibilidade de uma cultura emocional mais saudável, em que a bad deixa de ser apenas um peso e passa a ser uma oportunidade de amadurecimento.


        Sendo assim, reconhece-se a importância de sentir a "Bad" e encará-la como travessia. Emoções são importantes para que todos possam reconhecer situações que fazem bem ou não. A transmutação dela em "Joy" permite reconhecer que assim como a natureza passa por estações as pessoas passam por fases e estados emocionais. Evita-se a criação da positividade tóxica, também conscientiza a população de que está tudo se você não está bem. Que na realidade, não estar bem é normal. Apenas deve ter o cuidado para episódios de "Bads" prolongadas. Portanto, não é possível viver em estado de "Joy" o tempo todo e que na vida, o importante é tirar as melhores lições de cada fase.





Esperamos que artigo tenha ressignificado a "Bad" para vocês, queridos leitores.





Desejamos uma vida bem "Joy" para vocês.

Enjoyem-se!


Estejam em peace!


Artigos complementares:

Viva Bem: Uol - Família em movimento: conheça atividades para fazer com os seus filhos


 Referências

DAMÁSIO, Antonio. O erro de Descartes: emoção, razão e o cérebro humano. São Paulo: Companhia das Letras, 1996.

GOLEMAN, Daniel. Inteligência emocional: a teoria revolucionária que redefine o que é ser inteligente. Rio de Janeiro: Objetiva, 1995.

MATURANA, Humberto; VARELA, Francisco. A árvore do conhecimento: as bases biológicas do entendimento humano. Campinas: Psy II, 2001.

SIEGEL, Daniel J. Cérebro adolescente: o guia de sobrevivência para entender o que se passa na mente dos jovens. Porto Alegre: Artmed, 2014.

WINNICOTT, Donald. O ambiente e os processos de maturação. Porto Alegre: Artmed, 1983.