segunda-feira, 15 de setembro de 2025

Transmutando a Bad em Joy: Todos por uma saúde mental de qualidade

                     


          A adolescência sempre foi marcada por transformações intensas, mas nas últimas décadas esse processo parece ter ganhado contornos ainda mais desafiadores. A chamada “bad”, expressão popularizada para nomear estados de tristeza, angústia, vazio ou confusão, tornou-se parte do vocabulário cotidiano de jovens que muitas vezes não encontram outras formas de expressar o que sentem. Essa experiência não é apenas uma moda passageira, mas um reflexo de realidades emocionais que atravessam o desenvolvimento psíquico e social.






        Nos artigos anteriores desta série, discutimos como a bad se inscreve na cultura e como ela pode ser compreendida como parte da experiência humana. Agora, avançamos para um ponto crucial: a regulação emocional. Como os adolescentes podem aprender a lidar com suas emoções de maneira saudável? De que forma pais, responsáveis, educadores e a sociedade como um todo podem colaborar nesse processo? E, sobretudo, como compreender que regular emoções não significa eliminá-las, mas sim criar espaço interno para senti-las sem que elas se tornem paralisantes?


        Este artigo propõe um mergulho em práticas de regulação emocional que podem ser aplicadas tanto em contextos pedagógicos quanto familiares, ampliando a compreensão da bad como experiência coletiva e multigeracional. Afinal, a regulação emocional é uma necessidade não apenas dos adolescentes, mas também dos adultos que os cercam, pois só assim é possível construir relações mais saudáveis e ambientes que favoreçam o crescimento.





 Adolescência: território de intensidades






        A adolescência é um período da vida em que o corpo e o cérebro passam por mudanças significativas. Do ponto de vista neurológico, áreas ligadas ao prazer, recompensa e impulsividade se desenvolvem mais rapidamente do que as regiões responsáveis pelo autocontrole e pela tomada de decisões ponderadas. Isso explica, em parte, a intensidade das emoções adolescentes e a dificuldade em lidar com frustrações ou estados de humor oscilantes.


Culturalmente, vivemos em um tempo em que adolescentes são constantemente expostos a fluxos de informação, comparações sociais e expectativas irreais de desempenho, beleza e felicidade. As redes sociais amplificam emoções, criando a sensação de que todos vivem vidas mais interessantes, o que potencializa sentimentos de inadequação.




        A “bad”, nesse cenário, funciona como um rótulo acessível para descrever experiências complexas de sofrimento, mas também como um pedido de ajuda indireto. O desafio é transformar essa experiência em um ponto de partida para práticas de autorregulação, autoconhecimento e fortalecimento de vínculos.








 Práticas pedagógicas de regulação emocional 



        A escola é um espaço privilegiado para promover estratégias de cuidado. Muitas vezes, adolescentes encontram nos professores e colegas um campo de escuta que não se estabelece em casa. A seguir, alguns exemplos práticos que podem ser aplicados em sala de aula ou em projetos pedagógicos.






1. Roda de escuta e expressão criativa 




        Uma prática simples é reservar semanalmente alguns minutos para que os alunos possam expressar como estão se sentindo. Isso pode ser feito por meio de cartões de cores (cada cor representando uma emoção), palavras escritas em um mural ou pequenas falas voluntárias. O objetivo não é resolver os problemas imediatamente, mas normalizar a ideia de que emoções fazem parte da vida escolar.

        A normalização da expressão emocional precisa ocorrer em sala de aula para que os alunos sintam-se confortáveis em relatar conflitos internos ou com outros colegas e, saibam sinalizar quando entram em estado de crise emocional.

        Ter essa consciência, ajuda a identificar e/ou até mesmo prevenir conflitos de tal modo que o aluno passa a se conhecer mais, consequentemente consolidando a escola como também um espaço de edificação da identidade emocional.




 2. Diário emocional 


        Professores podem propor que os estudantes mantenham um caderno de anotações semanais, no qual registrem momentos de alegria, tristeza, frustração e conquistas. Posteriormente, esses registros podem ser usados em atividades de redação, artes visuais ou até mesmo em matemática (transformando emoções em gráficos de intensidade, por exemplo).



        O diário emocional trás benefícios como uma prática terapêutica de expressão e também auxilia no desenvolvimento da criatividade artística. A externalização das emoções é essencial para que os jovens saibam para onde direcionar as suas dores e angústias. Do ponto de vista educacional, telentos artísticos podem ser identificados ali e a escola também terá a possibilidade de promover concursos e atividades que visam a criação de conteúdos de apoio coletivo. Assim, forma-se naturalmente também uma rede de apoio terapêutico, já percebe-se que passar por questões emocionais profundas é algo que pode acontecer com qualquer pessoa. 



3. Técnicas de respiração em sala 


        Antes de provas ou atividades estressantes, exercícios rápidos de respiração consciente podem ajudar a reduzir a ansiedade. Por exemplo: inspirar contando até quatro, segurar o ar por quatro segundos e expirar contando até quatro. Outra técnica eficaz é o “5-4-3-2-1”, em que o estudante identifica cinco coisas que vê, quatro que sente ao toque, três que ouve, duas que cheira e uma que prova mentalmente.

        Práticas de resgate para o momento presente mostram-se essenciais por auxiliar os jovens a saírem de um estado de pânico e de pensamentos acelerados. São essenciais para que eles aprendam de forma simples a se cuidarem emocionalmente e os preparam para situações mais estressoras da vida adulta.




4. Projetos interdisciplinares



        A bad pode ser abordada de maneira transversal: em literatura, analisando personagens que lidam com angústia; em história, discutindo movimentos sociais como expressões de insatisfação coletiva; em artes, promovendo oficinas de pintura, música ou teatro como formas de canalizar emoções. 




Atividades para a família







        A regulação emocional não se restringe ao ambiente escolar. O lar é o espaço mais imediato de acolhimento, e pequenas práticas podem transformar a dinâmica familiar.


 1. A hora do check-in emocional 


Estabelecer um momento do dia (no jantar, por exemplo) para que cada membro da família diga como está se sentindo. Não se trata de resolver os problemas de imediato, mas de cultivar um hábito de escuta.


 2. A prática do silêncio compartilhado


Muitas vezes, pais e adolescentes se afastam porque um não sabe como falar com o outro. Propor momentos curtos de silêncio em conjunto, seja numa caminhada, seja ao cuidar de plantas ou cozinhar, pode criar uma sensação de conexão sem a pressão da palavra.


3. Caixa de recursos emocionais


A família pode construir uma caixa com objetos que ajudem na autorregulação: bolas antiestresse, papéis para escrever desabafos, fotos de momentos felizes, playlists calmantes. Quando alguém estiver em uma bad, pode recorrer a esse recurso como forma de lembrar que existem estratégias disponíveis.


4. Revezamento de responsabilidades


Muitas bads adolescentes têm relação com a sensação de impotência. Atribuir pequenas responsabilidades domésticas (como cozinhar um prato, organizar uma parte da casa ou cuidar de um animal) contribui para o fortalecimento da autoestima.



Dicas para pais


Cuidar de adolescentes é desafiador porque o impulso de controlar ou corrigir pode sufocar a autonomia necessária para o desenvolvimento. Algumas orientações práticas incluem:


Validar emoções: em vez de dizer “isso é besteira”, afirmar “entendo que isso esteja sendo difícil para você”.

Modelar comportamentos saudáveis: mostrar como lida com frustrações no cotidiano. Se o adulto explode diante de um problema, transmite a ideia de que essa é a única forma possível. 

Evitar comparações:cada adolescente tem seu tempo. Comparações com irmãos, colegas ou até mesmo com a própria juventude dos pais geram frustração.

Criar espaços de confiança:não transformar cada desabafo em sermão. Às vezes, o jovem só precisa ser ouvido.

Reconhecer limites:se a bad ultrapassa o cotidiano e se transforma em sofrimento prolongado, é essencial buscar ajuda profissional.


 Regulação emocional também para adultos


            Um ponto essencial é compreender que adolescentes não aprendem a regular emoções apenas com técnicas ensinadas diretamente, mas sobretudo ao observar como os adultos ao seu redor lidam com a vida. Isso significa que pais, professores e cuidadores também precisam cuidar de si mesmos.


 Práticas úteis para adultos





1. Respiração consciente no cotidiano: antes de reagir a uma situação de conflito, fazer três respirações profundas já ajuda a mudar a resposta automática.

2. Ritual de fechamento do dia: escrever brevemente o que deu certo e o que foi difícil antes de dormir, evitando levar preocupações não processadas para o sono.

3. Cuidado com o corpo: sono regulado, alimentação equilibrada e atividade física são pilares que impactam diretamente a saúde emocional.

4. Redes de apoio: adultos também precisam compartilhar suas dificuldades. Conversar com amigos, grupos de apoio ou terapeutas cria modelos positivos para os adolescentes.

5. Prática da compaixão consigo mesmo:reconhecer que erros fazem parte e que não é preciso ser perfeito para ser um bom exemplo.


 Transformando a regulação em hábito


        A grande dificuldade não está em conhecer técnicas, mas em torná-las parte da vida cotidiana. Tanto na escola quanto em casa, é importante que as práticas sejam simples, acessíveis e repetidas até que se tornem naturais. Pequenas rotinas diárias, como iniciar a aula com um minuto de silêncio ou encerrar o jantar com uma palavra de gratidão, criam uma cultura de cuidado.


        A regulação emocional, assim, não deve ser encarada como mais uma obrigação ou regra imposta, mas como um estilo de vida coletivo que valoriza a escuta, o respeito e a expressão saudável das emoções.



        “Muita bad pra pouca idade” não é apenas uma frase de impacto, mas a realidade de muitos adolescentes que se veem sobrecarregados por emoções intensas e por contextos sociais que nem sempre oferecem suporte. A proposta deste artigo é mostrar que a bad pode ser atravessada por meio de práticas simples e consistentes, aplicáveis tanto na escola quanto na família, e que dependem de adultos dispostos a também cuidar de si mesmos.


        A regulação emocional é uma aprendizagem coletiva e contínua. Não se trata de eliminar a tristeza, a raiva ou o medo, mas de criar caminhos para que essas emoções não se tornem prisões. Ao reconhecer que adolescentes, pais e professores estão juntos nesse processo, abre-se a possibilidade de uma cultura emocional mais saudável, em que a bad deixa de ser apenas um peso e passa a ser uma oportunidade de amadurecimento.


        Sendo assim, reconhece-se a importância de sentir a "Bad" e encará-la como travessia. Emoções são importantes para que todos possam reconhecer situações que fazem bem ou não. A transmutação dela em "Joy" permite reconhecer que assim como a natureza passa por estações as pessoas passam por fases e estados emocionais. Evita-se a criação da positividade tóxica, também conscientiza a população de que está tudo se você não está bem. Que na realidade, não estar bem é normal. Apenas deve ter o cuidado para episódios de "Bads" prolongadas. Portanto, não é possível viver em estado de "Joy" o tempo todo e que na vida, o importante é tirar as melhores lições de cada fase.





Esperamos que artigo tenha ressignificado a "Bad" para vocês, queridos leitores.





Desejamos uma vida bem "Joy" para vocês.

Enjoyem-se!


Estejam em peace!


Artigos complementares:

Viva Bem: Uol - Família em movimento: conheça atividades para fazer com os seus filhos


 Referências

DAMÁSIO, Antonio. O erro de Descartes: emoção, razão e o cérebro humano. São Paulo: Companhia das Letras, 1996.

GOLEMAN, Daniel. Inteligência emocional: a teoria revolucionária que redefine o que é ser inteligente. Rio de Janeiro: Objetiva, 1995.

MATURANA, Humberto; VARELA, Francisco. A árvore do conhecimento: as bases biológicas do entendimento humano. Campinas: Psy II, 2001.

SIEGEL, Daniel J. Cérebro adolescente: o guia de sobrevivência para entender o que se passa na mente dos jovens. Porto Alegre: Artmed, 2014.

WINNICOTT, Donald. O ambiente e os processos de maturação. Porto Alegre: Artmed, 1983.





segunda-feira, 8 de setembro de 2025

🎧 A bad ao Longo das Gerações: O Sentido da Dor Humana



Introdução: A bad e sua presença ao longo do tempo 🌞


        A bad, termo popularizado na cultura pop e nas redes sociais, descreve tristeza, melancolia e sensação de desajuste emocional. Entre os jovens, expressar angústia se tornou comum, mas gera críticas de quem associa intensidade emocional a exagero ou superficialidade. A verdade é que a dor é parte essencial da experiência humana, atravessando gerações, formas de arte e culturas.


        No Brasil, a música "Muita Bad Pra Pouca Idade", de Mariah Nala, tornou-se um símbolo da dor juvenil contemporânea. No artigo passado, falamos sobre ela de forma profunda e  sobre vários aspectos: social, educacional, emocional e artístico. 


A bad na literatura e nas primeiras narrativas


        A dor já era representada de maneira coletiva e ritualizada na Antiguidade. Tragédias gregas de "Sófocles", "Eurípides" e "Ésquilo" apresentavam personagens cujas dores refletiam dilemas humanos universais. Em "Édipo Rei", por exemplo, o protagonista busca compreender seu destino e sofre com culpa e frustração inevitáveis. O público experimentava a catarse, purificando emoções ao se reconhecer na dor alheia.





    Durante a Idade Média, o amor cortês e a literatura trovadoresca transformavam sofrimento em idealização. "Dante Alighieri", em "A Vita Nuova", e "Petrarca", em seus sonetos a Laura, exploram a dor amorosa como experiência espiritual e estética. A intensidade do sofrimento criava sentido e estabelecia pontes com outros que partilhavam experiências semelhantes.





        No Romantismo, poetas como "Lord Byron", "Casimiro de Abreu" e "Álvares de Azevedo" celebravam a melancolia, o amor impossível e a morte precoce. No Brasil, "Florbela Espanca" transformou perda e frustração em linguagem poética intensa:


“Eu quero a paz, a felicidade, o amor, mas tudo me foge das mãos.”


        O jovem romântico se identificava com personagens emocionalmente extremos, algo que artistas contemporâneos reproduzem em suas músicas, articulando dor e vulnerabilidade.


       No Modernismo, autores como "Virginia Woolf", "Clarice Lispector" e "Manuel Bandeira" exploram a dor existencial, a fragmentação da vida urbana e o isolamento psicológico. A bad torna-se introspectiva e complexa. A psicanálise oferece interpretação: sofrimento é expressão do inconsciente e oportunidade de autoconhecimento. Assim como o leitor de Woolf ou Lispector se reconhecia na narrativa, os jovens hoje encontram identificação em músicas, séries e redes sociais.




 






A bad na música: do passado ao presente


        A música sempre foi canal privilegiado para expressar dor. No Brasil, boleros e sambas-canção de Lupicínio Rodrigues e Dolores Duran exploravam sofrimento amoroso. Elis Regina,Gilberto Gil e Chico Buarque expandiram o alcance da música, abordando dor individual e questões sociais.





        Nos anos 1980 e 1990, o rock e o grunge de "Legião Urbana", "Nirvana" e "The Smiths" transformaram a dor em rebeldia e crítica social. Renato Russo e Kurt Cobain canalizaram sentimentos de desconexão, solidão e frustração, criando identificação imediata com jovens marginalizados ou incompreendidos.



        Hoje, artistas contemporâneos expressam vulnerabilidade e experiência emocional de forma confessional e global:





  • Billie Eilish: “I’m in love with sad girls / I’m in love with the way they feel.”
  • Olivia Rodrigo: terminações amorosas transformadas em fenômenos globais.
  • Khalid: vulnerabilidade e amadurecimento emocional.
  • Mariah Nala: síntese da bad precoce brasileira, conectando influências locais e internacionais.
  • The Weeknd, Lorde, Conan Gray: experiências individuais transformadas em linguagem universal de pertencimento.




        Cada música, letra ou vídeo cria espaço de identificação e pertencimento, transformando sofrimento em linguagem coletiva.


Cultura pop contemporânea e diálogos com o passado


        Séries como "Euphoria" e "13 Reasons Why" exploram ansiedade, traumas e relacionamentos complexos em contextos adolescentes. Elas dialogam com tradições literárias passadas: intensidade da dor, solidão e busca por pertencimento permanecem centrais, mas agora são narradas de forma audiovisual e global.


        A cultura pop atual amplia o alcance da bad. Redes sociais como TikTok e YouTube permitem que a dor seja compartilhada, comentada e validada instantaneamente. A bad deixa de ser individual e se transforma em experiência coletiva, aproximando-se do efeito de pertencimento das tragédias gregas e das comunidades literárias do passado.


 O pertencimento, a validação e a transcendência


Ao longo das gerações, a necessidade de pertencimento e validação emocional permanece constante:


  • Na Grécia antiga, o público se reconhecia na tragédia.
  • No Romantismo, leitores compartilhavam experiências de melancolia.
  • No Modernismo, a identificação era introspectiva.
  • Hoje, curtidas, compartilhamentos e comentários digitalizam essa validação.


        O podcast "Autoconsciente" é um exemplo contemporâneo de transformação da bad em autoconhecimento. Ele propõe escuta ativa das próprias emoções, reflexão sobre vulnerabilidades e desenvolvimento de estratégias de enfrentamento. A dor deixa de ser apenas performada e se torna oportunidade de aprendizado, crescimento e transcendência pessoal.


        A bad atravessa gerações, mas muda em forma, intensidade e canal de expressão. Antes, manifestava-se em tragédias, poemas, cartas e livros. Hoje, é confessional, digital e audiovisual. Apesar das diferenças, a dor continua criando pertencimento, legitimando emoções e estabelecendo conexões.


        A geração contemporânea lida com a bad de forma mais pública, rápida e global, mas os princípios de pertencimento, validação e transcendência permanecem. Artistas e narrativas modernas assumem o papel de porta-voz emocional, assim como poetas, dramaturgos e músicos do passado.


 Fernão Capelo Gaivota e o transcender da dor


"Não se preocupe em tomar a decisão certa, pois ela não existe."






        Para encerrar, "Fernão Capelo Gaivota", de Richard Bach, oferece uma metáfora poderosa da transformação da bad em transcendência. A gaivota que desafia os limites do voo comum simboliza a capacidade humana de buscar significado e crescimento mesmo diante do sofrimento. A dor deixa de ser paralisante e torna-se catalisadora de superação, aprendizado e autodescoberta.


        A obra conecta-se a todo o percurso histórico da bad. Desde as tragédias gregas, passando pelo Romantismo, Modernismo e música contemporânea, a dor é universal, mas a forma de expressá-la evolui. A gaivota representa o indivíduo que, ao reconhecer vulnerabilidade, encontra força, pertencimento e sentido.


        No mundo atual, podcasts, séries, músicas e redes sociais ampliam essa possibilidade de transcendência. Os jovens não apenas sentem a dor, mas têm ferramentas para compreendê-la, compartilhá-la e transformá-la em crescimento pessoal. A bad deixa de ser sofrimento isolado e se torna ponte para expressão artística, conexão comunitária e evolução emocional.


        Fernão Capelo Gaivota encerra o ensaio lembrando que a dor é inevitável, mas também transformadora. Cada geração aprende a voar além do peso da vida, transformando sofrimento em significado, vulnerabilidade em força e tristeza em pertencimento.

        Antes de me despedir,

       Deixo a recomendação do podcast "Autoconsciente" que nesta semana, Regina Rigianetti, fez uma reflexão linda sobre esta obra. 



        Desejo muito que fiquem bem.



Referências
ALIGHIERI, Dante. A Vita Nuova. São Paulo: Editora 34, 2012.
AZEVEDO, Álvares de. Lira dos Vinte Anos. São Paulo: Martin Claret, 2002.
BACH, Richard. Fernão Capelo Gaivota. Rio de Janeiro: Record, 2006.
BANDEIRA, Manuel. Estrela da Vida Inteira. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 2009.
BYRON, Lord. Poesias escolhidas. São Paulo: Martin Claret, 2003.
DURAN, Dolores. A Noite do Meu Bem. Rio de Janeiro: Som Livre, 1994.
ESPANCA, Florbela. Sonetos. Lisboa: Bertrand, 2010.
GIL, Gilberto. Todas as letras. São Paulo: Companhia das Letras, 1996.
LISPECTOR, Clarice. A Hora da Estrela. Rio de Janeiro: Rocco, 1998.
LUPICÍNIO RODRIGUES. Essencial. Rio de Janeiro: Universal Music, 2000.
MARIAH NALA. Muita Bad pra Pouca Idade. Warner Music Brasil, 2023.
PETRARCA, Francesco. Canzoniere. São Paulo: Martin Claret, 2005.
REGINA, Regina. Podcast Autoconsciente. São Paulo: Independente, 2018. Disponível em: https://www.podcastautoconsciente.com
. Acesso em: 7 set. 2025.
RUSSO, Renato. Legião Urbana: letras. São Paulo: Companhia das Letras, 2006.
SÓFOCLES. Édipo Rei. São Paulo: Abril Cultural, 1972.
VIRGINIA WOOLF. Mrs Dalloway. São Paulo: Companhia das Letras, 2019.




segunda-feira, 1 de setembro de 2025

 Muita Bad Pra Pouca Idade: Reflexões Sobre Sofrimento, Linguagem e Sociedade Contemporânea





Será que é muita “Bad” ou é frescura?

Veja estas reportagens:



        

            Setembro Amarelo é época onde estabelecemos campanhas de conscientização para a  valorização da vida. É o mês oficial para relembrarmos que toda vida vale a pena ser vivida.




                

            Viver em uma sociedade competitiva nos faz de maneira geral focar na execução de atividades, na qualidade dos projetos. Falar sobre sentimentos ainda é tabu no Brasil. Muitas vezes, pessoas que tem uma sensibilidade emocional apurada são tidas como “emocionadas”. Na realidade, vivemos a era da positividade tóxica, onde não se admite sentir e vivenciar as emoções. Com o advento das redes sociais, vemos uma necessidade de autoafirmação. 


As gerações atuais são criticadas duramente por grande parte das pessoas com idade mais avançada por sofrerem demais. 


Daí fica a questão: será que há limites para o sentir?


        A música “Muita Bad Pra Pouca Idade”, interpretada por Mariah Nala, tornou-se um espelho das angústias e dores vividas por uma juventude que cresce em meio a pressões sociais, expectativas irreais e a hiperexposição nas redes digitais. A canção se insere em uma tradição lírica que atravessa a história da arte: desde os lamentos clássicos da tragédia grega, passando pela poesia romântica e melancólica dos séculos XVIII e XIX, até as manifestações musicais contemporâneas que dão voz a uma geração marcada por intensas contradições.


        Mais do que apenas um relato individual, a música revela dimensões coletivas do sofrimento: dores amorosas, instabilidade emocional, vazio existencial e, sobretudo, a experiência de sentir-se sobrecarregado muito cedo. O título já explicita uma contradição fundadora: como pode alguém “tão jovem” carregar “tanta dor”? Essa pergunta não se restringe à artista ou ao eu-lírico: ela ecoa em milhões de jovens e adultos que, diariamente, encontram na música um espaço de reconhecimento e identificação.


Sofrimento e juventude contemporânea


            A letra retrata uma sensação comum às novas gerações: a ideia de que “não há tempo suficiente” para amadurecer emocionalmente diante da avalanche de expectativas impostas. Os jovens enfrentam pressões acadêmicas, familiares e sociais, ao mesmo tempo em que são cobrados a ter relacionamentos estáveis, sucesso profissional e felicidade plena.


         Esse excesso de demandas gera o que muitos estudiosos chamam de sofrimento precoce: dores emocionais que, em outros tempos, eram associadas a fases mais tardias da vida. A juventude, idealizada como período de leveza, é, para muitos, um momento de angústia. Esse fenômeno conecta-se a um dado cultural importante: a “geração Z” cresce em um contexto onde os marcos tradicionais de entrada na vida adulta (trabalho fixo, casamento, independência financeira) estão cada vez mais instáveis e difíceis de alcançar.


            A música de Mariah Nala traduz exatamente esse paradoxo: uma juventude que deveria viver “o agora” mas que, na prática, enfrenta dores intensas e complexas. O sofrimento, antes considerado exceção, torna-se rotina, ou seja, a “bad” como um estado constante.


 Dimensão literária e estética


               Do ponto de vista literário, a canção utiliza recursos poéticos que intensificam a carga emocional. A repetição de expressões ligadas ao sofrimento cria um ritmo de desabafo, quase como um diário cantado. Há uma construção de imagem que associa sentimentos abstratos a experiências físicas: dor, vazio, peso. Essa materialização da emoção é um recurso antigo, presente na poesia de autores como Álvares de Azevedo ou Florbela Espanca, e mostra como a juventude contemporânea reelabora linguagens para expressar suas crises.


                    O título por si só é uma metáfora poderosa. A palavra “bad”, de origem inglesa, não é traduzida: mantém-se em seu formato original, como se o idioma estrangeiro fosse mais adequado para expressar essa dor. Isso revela não apenas a influência da língua inglesa na cultura pop, mas também a globalização dos sentimentos. A melancolia deixa de ser apenas local e se inscreve em um vocabulário universal.


                    Além disso, a oposição entre “muita” e “pouca” cria um contraste hiperbólico, recurso literário que reforça o excesso de sofrimento em relação à pouca idade. Essa dualidade dá o tom dramático da obra.


Perspectiva psicológica e psicanalítica


            Sob a ótica da psicologia, a música reflete o estado de vulnerabilidade emocional vivido pelos jovens. Termos como “bad” remetem a sintomas de tristeza, ansiedade e até depressão. O que poderia ser um simples desabafo amoroso ultrapassa o campo da paixão e se transforma em expressão de um mal-estar existencial.


               Na psicanálise, esse sofrimento pode ser entendido como resultado da frustração dos desejos e da dificuldade de lidar com a perda. O eu-lírico da canção expõe sua ferida de forma crua, sem mediações. É o inconsciente falando através da arte, transformando dor em canção. O ato de cantar é, nesse sentido, também uma forma de elaboração: colocar para fora o indizível, dar contorno ao caos interno.


                Ainda que seja uma obra musical, ela funciona quase como uma sessão terapêutica coletiva, onde milhares de ouvintes compartilham de uma experiência emocional comum. Ao identificar-se com a canção, cada ouvinte também elabora sua própria dor, encontrando alívio na partilha.



Tecnologia, redes sociais e amplificação do sofrimento


       A música não pode ser compreendida fora do contexto digital. Plataformas como YouTube, TikTok e Instagram permitem que sentimentos individuais se tornem fenômenos coletivos. Uma música como “Muita Bad Pra Pouca Idade” viraliza porque expressa dores que já estavam latentes em milhões de pessoas.


          As redes sociais funcionam como um espelho distorcido: amplificam tanto alegrias quanto sofrimentos. O jovem, ao mesmo tempo em que se identifica com a canção, também é exposto a narrativas de vidas perfeitas que intensificam sua própria dor. Esse paradoxo gera um ciclo: a música serve de consolo, mas também alimenta a consciência da dor.

        Depois da perspectiva psicológica, é importante observar também a dimensão linguística dessa dor:



Sobre a linguagem

Figuras de linguagem


A canção utiliza-se de recursos poéticos que intensificam seu impacto:


Hipérbole: “muita bad” em contraste com “pouca idade” exagera a desproporção.

Metáfora: a dor aparece como um fardo, como se fosse algo físico que o jovem carrega.

Antítese: juventude e sofrimento, leveza e peso, esperança e frustração.

Repetição: reforça a intensidade da dor, criando efeito de insistência.


            Esses recursos revelam como a música é, ao mesmo tempo, simples em linguagem e sofisticada em significação.


 Prática pedagógica e vivências de linguagem


        No campo educacional, a música pode ser utilizada como ferramenta de reflexão e de produção textual. Em aulas de vivências de linguagens, “Muita Bad Pra Pouca Idade” possibilita atividades que vão desde análise de figuras de linguagem até debates sobre saúde mental.


        Propor que os alunos escrevam cartas-resposta ao eu-lírico, ou que criem suas próprias versões poéticas do tema, ajuda a transformar dor em expressão criativa. A canção se torna, assim, um ponto de partida para a elaboração de experiências pessoais, permitindo que os jovens articulem sentimentos em palavras.


      Além disso, a mistura de português e inglês abre espaço para discussões sobre identidade linguística, globalização cultural e a forma como os jovens constroem sentidos em diferentes idiomas.


Concluindo...


            Ao final, o grande aprendizado que a canção nos traz é que o sofrimento humano é parte da experiência, mas não precisa ser vivido em silêncio. A música mostra que dores profundas podem ser transformadas em arte, e que a juventude, ainda que sobrecarregada, encontra meios de expressar e compartilhar suas angústias.


            O aprendizado maior está em compreender que nenhuma geração está imune à dor, mas cada época encontra suas formas próprias de expressá-la. A geração atual talvez sofra mais cedo, mas também possui mais ferramentas de expressão e de diálogo. A música, nesse contexto, funciona como espaço de cura, de reconhecimento e de construção coletiva de sentido.


Percebemos que na conclusão da letra:


“Me diz sua localização

Eu vim aqui te encontrar,

É que eu te dei meu coração 

E tou voltando pra buscar”


            Tem caracteríscas como o uso da linguagem popular, elementos tecnológicos e a repetição. “Voltar para buscar o coração”, é recuperar a sua identidade afetiva, já que o coração remete ao sentimento. Muitas vezes, não encerramos bem o relacionamento e ficam lacunas a serem preenchidas. Com isso percebe-se a necessidade do eu-lírico de aceitar o fim do relacionamento e ter forças para recomeçar. Em outras palavras, ele necessita de ter forças para resgatar a disponibilidade emocional que metaforicamente entregou ao outro indivíduo e decide recomeçar.


Quando diz:


“Quantas vezes eu pedi

Pra você voltar,

Sem medo de amar”


Compreendemos que não foi o eu-lírico que desistiu, foi a outra parte,há dor em falar que tentou reatar no entanto,  sofreu sucessivos vácuos.


"Minha DM anda cheia de bom dia, 

mas nada muda em minha vida,

se não foi você...

não foi você..."


        O título da canção, por mais melancólico que pareça, também pode ser visto como um convite à reflexão: como podemos diminuir a desproporção entre “muita dor” e “pouca idade”? 

            

      Essa é uma questão que não cabe apenas ao indivíduo, mas a toda a sociedade, família, escola, comunidade e cultura.


Sendo assim,

Como podemos caminhar da "Bad" à "Joy"?



Artigos relacionados (clique neles e leia):





Referências


BRANDÃO, Carlos Rodrigues. O que é educação. 34. ed. São Paulo: Brasiliense, 2017.

FREIRE, Paulo. Pedagogia do oprimido. 60. ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 2019.

HALL, Stuart. A identidade cultural na pós-modernidade. 11. ed. Rio de Janeiro: DP&A, 2015.

KEHL, Maria Rita. O tempo e o cão: A atualidade das depressões. São Paulo: Boitempo, 2009.

NALA, Mariah. Muita Bad Pra Pouca Idade. Warner Music Brasil, 2023.

ROUDINESCO, Élisabeth. Por que a psicanálise? Rio de Janeiro: Zahar, 2000.

TURKLE, Sherry. Alone Together: Why We Expect More from Technology and Less from Each Other. New York: Basic Books, 2011.

ZAFIROPOULOS, Markos. Freud e o inconsciente. São Paulo: Loyola, 1997.

segunda-feira, 18 de agosto de 2025

Especial Mês dos Pais # Todo Mundo Odeia o Chris: Um Olhar Sobre Família, Cultura e Memória

Fonte da foto:Exame

        O Dia dos Pais é uma data que nos leva a refletir sobre a figura paterna em nossas vidas. Mais do que presentes ou comemorações comerciais, esse momento é uma oportunidade de pensar em laços, responsabilidades e no papel do pai dentro da família. O dia já passou mas como ainda estamos no mês dos pais, vale a pena falar um pouco sobre esta comédia que marcou e ainda marca gerações. A série tem fãs brasileiros muito fiéis e frequentemente seu elenco vem visitar o Brasil.  Para falar disso de maneira leve, mas também profunda, é interessante relacionar essa data a uma das séries mais queridas do público brasileiro: Todo Mundo Odeia o Chris.


        A série, que estreou em 2005 e foi exibida até 2009, continua sendo um sucesso em reprises na televisão. Baseada nas memórias de infância e adolescência do comediante Chris Rock, a produção mistura humor, crítica social e afetividade. E quando pensamos no Dia dos Pais, é impossível não lembrar de Julius, interpretado por Terry Crews, que se tornou um dos pais mais icônicos da cultura televisiva.


A inspiração do autor



Fonte: Catraca Livre


        Chris Rock cresceu no bairro do Brooklyn, em Nova York, nos anos 1970 e 1980. Sua infância foi marcada por dificuldades financeiras, preconceito racial e situações familiares intensas. Na série, ele recria essas experiências com humor, mas sem deixar de lado os problemas reais. Julius, seu pai, é um reflexo disso.



Fonte da imagem: insta @chrissinceroh




        Na vida real, o pai de Chris se chamava Julius Rock. Ele trabalhava em mais de um emprego para sustentar a família e era conhecido pela disciplina e pelo esforço. O próprio comediante já declarou que se inspirou nesse modelo para construir a versão televisiva do pai, acrescentando exageros e piadas, mas sem perder a essência de um homem que fazia o possível para dar dignidade à sua família.


        O Dia dos Pais, nesse sentido, ganha outra dimensão quando pensamos em Julius. Ele não representa apenas a figura paterna tradicional, mas também o pai negro americano que enfrenta barreiras econômicas e sociais, e ainda assim consegue ser presença, guia e força para seus filhos.


 Curiosidades sobre os atores


        A série Todo Mundo Odeia o Chris trouxe ao público um elenco talentoso e diverso. Muitas curiosidades ajudam a entender por que esses personagens conquistaram tanto carinho.


        Terry Crews (Julius): Antes de se tornar ator, ele foi jogador de futebol americano na NFL. Sua trajetória é um exemplo de reinvenção. Além disso, Crews é ativista contra o racismo e defensor de pautas sociais, mostrando que o espírito batalhador de Julius não ficou apenas na ficção.


Fonte da imagem: Recreio



        Tichina Arnold (Rochelle): A mãe de Chris, Rochelle, é inspirada diretamente na mãe verdadeira de Chris Rock, Rosalie. Tichina trouxe humor e força à personagem, equilibrando momentos de explosão e afeto. Na vida real, a atriz também é cantora e já fez parte de corais gospel.


Fonte da imagem: Revista Rowlling Stone Brasil



Tyler James Williams (Chris): O ator que viveu Chris começou muito cedo e hoje continua trabalhando em produções de sucesso. Em 2023, ele ganhou o Globo de Ouro por sua atuação na série "Abbott Elementary". Muitos fãs lembram dele como o jovem Chris, mas sua carreira foi além daquele papel.



Fonte: O Globo


Tequan Richmond (Drew): O irmão de Chris na série, Drew, é mais alto e mais popular, o que cria situações cômicas. Fora das telas, Tequan também trabalhou como modelo e participou de outras produções.



Fonte: Hollywood Melanin (Página do Facebook)



Imani Hakim (Tonya): A caçula da família, que sempre causava problemas para Chris, foi interpretada por Imani. Depois da série, ela continuou atuando e também se dedicou a projetos sociais.


Fonte: Vi React - Jesus e Amor (Canal do Youtube)

Link do vídeo: https://www.youtube.com/watch?v=00ezrND9zwQ





        Esses atores ajudaram a construir uma narrativa que, embora situada em Nova York, encontrou eco em famílias do mundo todo.


Relação com a literatura


        Todo Mundo Odeia o Chris  pode ser visto como uma narrativa literária adaptada para a televisão. Ela se estrutura em episódios que funcionam como pequenos contos sobre a vida no Brooklyn. Cada história traz começo, meio e fim, mas sempre deixa uma reflexão maior.


        Além disso, a série pode ser associada ao gênero da autobiografia. Chris Rock usa suas memórias como material criativo, transformando lembranças dolorosas em humor crítico. Esse recurso também é encontrado na literatura, em autores que escrevem sobre si mesmos para dar voz a um grupo social mais amplo.


        Você sabia que "Todo Mundo Odeia o Chris" é fruto de uma escrita terapêutica do próprio Chris Rock?


        Outro ponto é a presença do narrador. O próprio Chris Rock narra os episódios com comentários irônicos e observações sobre as situações. Esse recurso lembra a técnica literária do narrador-protagonista, que guia o leitor (ou o espectador) pelo universo da obra.


Cultura afro e representatividade



Fonte da imagem: Negrê



        Um dos grandes méritos da série é colocar a cultura afro-americana no centro da narrativa. Os personagens não são estereótipos vazios, mas representações humanas, com falhas, virtudes e complexidade.


        Julius é um retrato do pai negro trabalhador, que enfrenta o racismo estrutural e, ainda assim, mantém a dignidade e o compromisso com a família. Rochelle, por sua vez, mostra a força das mulheres negras que equilibram casa, filhos e vida social. Chris vive o desafio de crescer em um ambiente hostil, onde precisa se provar o tempo todo.



Fonte da imagem: Mundo Negro



        Esse aspecto conecta a série à realidade de muitas famílias negras no Brasil. O racismo, as dificuldades econômicas e a luta por reconhecimento são temas comuns em diferentes contextos. Assistir à série, portanto, não é apenas entretenimento, mas também um ato de identificação e valorização cultural.


        Além disso, a série abre espaço para o debate sobre paternidade responsável e presença afetiva. Julius não era perfeito, mas se esforçava para ensinar valores aos filhos. Em uma sociedade que historicamente marginalizou os pais negros, essa representação é simbólica e necessária.


        O Dia dos Pais, ao ser pensado sob a ótica da série, mostra que amor e cuidado podem se manifestar de diferentes formas. Nem sempre o pai será afetuoso em palavras, mas pode ser firme em atitudes. Julius representa exatamente isso: alguém que, com todos os seus defeitos, deu o melhor que tinha para a família. Esse tipo de paternidade pode não parecer romântica, mas é sólida, concreta e transformadora.


        Também é importante lembrar que Julius não é o único responsável pela educação dos filhos. Rochelle, sua esposa, complementa esse papel. A série mostra, assim, a importância da parceria dentro da família. O Dia dos Pais não deve ser visto apenas como celebração do provedor, mas também como valorização da figura que, ao lado da mãe, divide as responsabilidades. Isso nos leva a refletir sobre como a paternidade pode ser exercida de maneira mais equilibrada, sem cair em estereótipos de rigidez ou ausência.


        Outro ponto que merece destaque é como Julius se torna referência para além do universo de Chris. No Brasil, por exemplo, o personagem é lembrado com carinho e virou até meme. Quantas vezes não repetimos “meu marido tem dois empregos” ou “isso é 49 centavos jogados fora”? Por trás da brincadeira, existe identificação. Muitas famílias brasileiras, assim como as da série, enfrentam dificuldades financeiras e reconhecem no personagem a luta diária para manter o lar de pé. Isso reforça como o humor pode aproximar culturas e criar pontes de empatia.


        O legado de Julius também dialoga com a literatura, especialmente com narrativas que mostram pais duros, mas amorosos. Personagens literários muitas vezes não expressam sentimentos de maneira explícita, mas revelam seu amor no esforço e no sacrifício. Julius se encaixa nessa tradição. Ele é quase um “herói cotidiano”, um homem comum que, dentro de suas limitações, busca deixar para os filhos algo maior do que bens materiais: a capacidade de enfrentar a vida.


        Ao refletirmos sobre o Dia dos Pais a partir de Julius, percebemos que a celebração vai muito além de presentes. Trata-se de reconhecer histórias de luta, de resiliência e de compromisso. Muitos pais, assim como Julius, não tiveram modelos afetivos em suas próprias infâncias, mas se esforçaram para ser melhores para seus filhos. Essa transformação é parte da grandeza da paternidade.


        A série também nos lembra de que não existe pai perfeito. Julius erra, se irrita, exagera e, às vezes, não compreende os filhos. Mas isso não diminui sua importância. Ao contrário, o torna humano. E talvez essa seja a mensagem mais forte: ser pai não é ser impecável, mas estar presente, assumir responsabilidades e amar, ainda que de formas diferentes daquelas idealizadas.


        Em um mundo em que muitos ainda associam masculinidade apenas à força física ou ao poder, Julius mostra outra possibilidade: a masculinidade do cuidado. Ele protege, ensina e dá exemplo. Esse modelo é essencial para repensar o que significa ser homem e ser pai. No Dia dos Pais, refletir sobre isso é uma forma de valorizar não só a figura paterna, mas também a evolução das relações familiares.


Conclusão


        Todo Mundo Odeia o Chris é mais do que uma comédia de sucesso. É um retrato da vida de um garoto negro nos Estados Unidos, inspirado nas memórias de Chris Rock e construído com talento por um elenco marcante. Ao falar de paternidade, a série nos lembra da importância dos pais que, mesmo diante das dificuldades, escolhem estar presentes e lutar pelos filhos.


        Neste Mês dos Pais, a lição de Julius continua atual. Ser pai é mais do que sustentar. É ensinar, orientar e deixar um legado de valores. A série, ao transformar a vida real em narrativa, mostra que mesmo entre risadas, existe sempre espaço para refletir sobre amor, família e cultura. Julius se tornou símbolo de que a verdadeira grandeza da paternidade está nos pequenos gestos diários, na disciplina transmitida e no cuidado constante.

        Não acabamos por aqui! Voltaremos a falar sobre esta série incrível.

       Desejo um Feliz Mês dos Pais e este artigo custou apenas o seu tempo, sua energia elétrica, internet, disposição e a sua colaboração.

        Estejam em paz e até mais!


Weberton Moreira.


Fontes: 

Rock, Chris. Rock This!. Hyperion, 1997. (Livro autobiográfico de Chris Rock que traz elementos de sua infância e juventude, servindo de base para a série).

IMDb. “Everybody Hates Chris (2005–2009).” IMDb.

The Guardian. “Chris Rock: My Dad Was Tough but He Prepared Me for Life.” Entrevista, 2014.

Terry Crews – Biografia oficial. Terry Crews Official Website.

Golden Globes. “Tyler James Williams Wins Best Supporting Actor for Abbott Elementary.” Golden Globes.

Essence Magazine. “Tichina Arnold Reflects on Rochelle and Black Motherhood.” 2020.Cultura afro e representatividade

hooks, bell. Ain’t I a Woman? Black Women and Feminism. South End Press, 1981.

Collins, Patricia Hill. Black Feminist Thought. Routledge, 2000.

Universidade de São Paulo. “Representações da família negra em produtos culturais.” Artigo acadêmico, 2018.

Genette, Gérard. Narrative Discourse: An Essay in Method. Cornell University Press, 1980.

Bakhtin, Mikhail. A Estética da Criação Verbal. Martins Fontes, 2003.