Introdução: A bad e sua presença ao longo do tempo 🌞
A bad, termo popularizado na cultura pop e nas redes sociais, descreve tristeza, melancolia e sensação de desajuste emocional. Entre os jovens, expressar angústia se tornou comum, mas gera críticas de quem associa intensidade emocional a exagero ou superficialidade. A verdade é que a dor é parte essencial da experiência humana, atravessando gerações, formas de arte e culturas.
No Brasil, a música "Muita Bad Pra Pouca Idade", de Mariah Nala, tornou-se um símbolo da dor juvenil contemporânea. No artigo passado, falamos sobre ela de forma profunda e sobre vários aspectos: social, educacional, emocional e artístico.
A bad na literatura e nas primeiras narrativas
A dor já era representada de maneira coletiva e ritualizada na Antiguidade. Tragédias gregas de "Sófocles", "Eurípides" e "Ésquilo" apresentavam personagens cujas dores refletiam dilemas humanos universais. Em "Édipo Rei", por exemplo, o protagonista busca compreender seu destino e sofre com culpa e frustração inevitáveis. O público experimentava a catarse, purificando emoções ao se reconhecer na dor alheia.
Durante a Idade Média, o amor cortês e a literatura trovadoresca transformavam sofrimento em idealização. "Dante Alighieri", em "A Vita Nuova", e "Petrarca", em seus sonetos a Laura, exploram a dor amorosa como experiência espiritual e estética. A intensidade do sofrimento criava sentido e estabelecia pontes com outros que partilhavam experiências semelhantes.
No Romantismo, poetas como "Lord Byron", "Casimiro de Abreu" e "Álvares de Azevedo" celebravam a melancolia, o amor impossível e a morte precoce. No Brasil, "Florbela Espanca" transformou perda e frustração em linguagem poética intensa:
“Eu quero a paz, a felicidade, o amor, mas tudo me foge das mãos.”
No Modernismo, autores como "Virginia Woolf", "Clarice Lispector" e "Manuel Bandeira" exploram a dor existencial, a fragmentação da vida urbana e o isolamento psicológico. A bad torna-se introspectiva e complexa. A psicanálise oferece interpretação: sofrimento é expressão do inconsciente e oportunidade de autoconhecimento. Assim como o leitor de Woolf ou Lispector se reconhecia na narrativa, os jovens hoje encontram identificação em músicas, séries e redes sociais.
A bad na música: do passado ao presente
A música sempre foi canal privilegiado para expressar dor. No Brasil, boleros e sambas-canção de Lupicínio Rodrigues e Dolores Duran exploravam sofrimento amoroso. Elis Regina,Gilberto Gil e Chico Buarque expandiram o alcance da música, abordando dor individual e questões sociais.
Nos anos 1980 e 1990, o rock e o grunge de "Legião Urbana", "Nirvana" e "The Smiths" transformaram a dor em rebeldia e crítica social. Renato Russo e Kurt Cobain canalizaram sentimentos de desconexão, solidão e frustração, criando identificação imediata com jovens marginalizados ou incompreendidos.
Hoje, artistas contemporâneos expressam vulnerabilidade e experiência emocional de forma confessional e global:
- Billie Eilish: “I’m in love with sad girls / I’m in love with the way they feel.”
- Olivia Rodrigo: terminações amorosas transformadas em fenômenos globais.
- Khalid: vulnerabilidade e amadurecimento emocional.
- Mariah Nala: síntese da bad precoce brasileira, conectando influências locais e internacionais.
- The Weeknd, Lorde, Conan Gray: experiências individuais transformadas em linguagem universal de pertencimento.
Cada música, letra ou vídeo cria espaço de identificação e pertencimento, transformando sofrimento em linguagem coletiva.
Cultura pop contemporânea e diálogos com o passado
Séries como "Euphoria" e "13 Reasons Why" exploram ansiedade, traumas e relacionamentos complexos em contextos adolescentes. Elas dialogam com tradições literárias passadas: intensidade da dor, solidão e busca por pertencimento permanecem centrais, mas agora são narradas de forma audiovisual e global.
A cultura pop atual amplia o alcance da bad. Redes sociais como TikTok e YouTube permitem que a dor seja compartilhada, comentada e validada instantaneamente. A bad deixa de ser individual e se transforma em experiência coletiva, aproximando-se do efeito de pertencimento das tragédias gregas e das comunidades literárias do passado.
O pertencimento, a validação e a transcendência
Ao longo das gerações, a necessidade de pertencimento e validação emocional permanece constante:
- Na Grécia antiga, o público se reconhecia na tragédia.
- No Romantismo, leitores compartilhavam experiências de melancolia.
- No Modernismo, a identificação era introspectiva.
- Hoje, curtidas, compartilhamentos e comentários digitalizam essa validação.
O podcast "Autoconsciente" é um exemplo contemporâneo de transformação da bad em autoconhecimento. Ele propõe escuta ativa das próprias emoções, reflexão sobre vulnerabilidades e desenvolvimento de estratégias de enfrentamento. A dor deixa de ser apenas performada e se torna oportunidade de aprendizado, crescimento e transcendência pessoal.
A bad atravessa gerações, mas muda em forma, intensidade e canal de expressão. Antes, manifestava-se em tragédias, poemas, cartas e livros. Hoje, é confessional, digital e audiovisual. Apesar das diferenças, a dor continua criando pertencimento, legitimando emoções e estabelecendo conexões.
A geração contemporânea lida com a bad de forma mais pública, rápida e global, mas os princípios de pertencimento, validação e transcendência permanecem. Artistas e narrativas modernas assumem o papel de porta-voz emocional, assim como poetas, dramaturgos e músicos do passado.
Fernão Capelo Gaivota e o transcender da dor
"Não se preocupe em tomar a decisão certa, pois ela não existe."
Para encerrar, "Fernão Capelo Gaivota", de Richard Bach, oferece uma metáfora poderosa da transformação da bad em transcendência. A gaivota que desafia os limites do voo comum simboliza a capacidade humana de buscar significado e crescimento mesmo diante do sofrimento. A dor deixa de ser paralisante e torna-se catalisadora de superação, aprendizado e autodescoberta.
A obra conecta-se a todo o percurso histórico da bad. Desde as tragédias gregas, passando pelo Romantismo, Modernismo e música contemporânea, a dor é universal, mas a forma de expressá-la evolui. A gaivota representa o indivíduo que, ao reconhecer vulnerabilidade, encontra força, pertencimento e sentido.
No mundo atual, podcasts, séries, músicas e redes sociais ampliam essa possibilidade de transcendência. Os jovens não apenas sentem a dor, mas têm ferramentas para compreendê-la, compartilhá-la e transformá-la em crescimento pessoal. A bad deixa de ser sofrimento isolado e se torna ponte para expressão artística, conexão comunitária e evolução emocional.
Fernão Capelo Gaivota encerra o ensaio lembrando que a dor é inevitável, mas também transformadora. Cada geração aprende a voar além do peso da vida, transformando sofrimento em significado, vulnerabilidade em força e tristeza em pertencimento.
Antes de me despedir,
Deixo a recomendação do podcast "Autoconsciente" que nesta semana, Regina Rigianetti, fez uma reflexão linda sobre esta obra.
Referências
ALIGHIERI, Dante. A Vita Nuova. São Paulo: Editora 34, 2012.
AZEVEDO, Álvares de. Lira dos Vinte Anos. São Paulo: Martin Claret, 2002.
BACH, Richard. Fernão Capelo Gaivota. Rio de Janeiro: Record, 2006.
BANDEIRA, Manuel. Estrela da Vida Inteira. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 2009.
BYRON, Lord. Poesias escolhidas. São Paulo: Martin Claret, 2003.
DURAN, Dolores. A Noite do Meu Bem. Rio de Janeiro: Som Livre, 1994.
ESPANCA, Florbela. Sonetos. Lisboa: Bertrand, 2010.
GIL, Gilberto. Todas as letras. São Paulo: Companhia das Letras, 1996.
LISPECTOR, Clarice. A Hora da Estrela. Rio de Janeiro: Rocco, 1998.
LUPICÍNIO RODRIGUES. Essencial. Rio de Janeiro: Universal Music, 2000.
MARIAH NALA. Muita Bad pra Pouca Idade. Warner Music Brasil, 2023.
PETRARCA, Francesco. Canzoniere. São Paulo: Martin Claret, 2005.
REGINA, Regina. Podcast Autoconsciente. São Paulo: Independente, 2018. Disponível em: https://www.podcastautoconsciente.com
. Acesso em: 7 set. 2025.
RUSSO, Renato. Legião Urbana: letras. São Paulo: Companhia das Letras, 2006.
SÓFOCLES. Édipo Rei. São Paulo: Abril Cultural, 1972.
VIRGINIA WOOLF. Mrs Dalloway. São Paulo: Companhia das Letras, 2019.
Nenhum comentário:
Postar um comentário